A sede
- Você quer um gole?
- Eu posso mesmo?
- Acho que não tem problema.
- Quero...
E encheu a boca. O líquido amarelo e espumante que sempre o deixara curioso. Há tempos queria sentir o sabor, o cheiro e acima de tudo, entender.
Queria desvendar os mistérios por trás daquela bebida. E por que as pessoas ficavam mais felizes quando se reuniam para tomá-la?
"Eu disse só um gole!", escutou seu avô enquanto puxava de suas mãos a lata suada de cerveja. Deixou, porém, que bebesse um pouco mais do que devia. E a cara feia que expressou ao engolir fez o velho gargalhar, como se lembrasse da primeira vez que bebera.
"Você se acostuma", disse o velho ao menino. Reconhecia aquela cara amarga, pois de "amargo" entendia.
"Não conte nada a seu pai", a voz experiente soou como uma ordem. Tinha certeza de que o pai não aprovaria tal atitude. Mesmo sabendo que fizera igual quando jovem.
E o menino consentiu com a cabeça. E selou seu primeiro acordo. Sentiu-se grande.
Sabia que, no fundo, o gosto da Tubaína era mais agradável, mas a vontade de se tornar homem fez esconder a cara feia, deixando a cevada cair na garganta. Era a sede por crescer, que saciou levemente naquele gole de cerveja.
E o velho sentiu-se um pouco mais cansado, um pouco mais vivido, pois aquele que pegara no colo, agora dividia um gole de sua companheira de dias de sol. E nem as rugas o faziam sentir-se daquele jeito. Mas sorriu. Ficou grato por poder ver aquele momento.
O menino por sua vez, limpou o bigode de espuma passando a língua nos lábios. E pediu mais um gole.
"Não se apresse...", disse o avô. Pois o amargo vem com o tempo. E um dia ele vem sem que você queira. "Vá brincar meu menino", pensou consigo. "Vá correr e cair. Vá saborear o doce, pois o doce um dia entoja. Vá meu menino, descobrir os prazeres de um jogo de bola na rua, da areia por entre os dedos do pé e do sangue de um arranhão. Vá meu menino, pois lembranças são só cicatrizes que não aparecem. Vá meu menino, vá viver, antes que não te reste mais nada além de cansaço e solidão."
E o menino correu. E correu sem direção. E correu porque podia. Em círculos. Até cansar.
E mal suspeitou que aquele seria o primeiro gosto amargo de muitos que iria sentir quando crescesse.
O primeiro amor perdido. O emprego sem futuro. Os medos. As incertezas.
Mas como dissera seu avô, naquele singelo dia de sol:
"Você se acostuma".
O curioso é que mesmo hoje, já crescido, o Guaraná ainda lhe atrai mais que a cevada.
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E mais um vez, obrigado a Super Ana Enes.
Que gentilmente conserta minhas burrices sem cobrar nada!
Pera ai... Consertar? Ou Concertar? O_o
=)