domingo, 4 de março de 2007

A sede

- Você quer um gole?
- Eu posso mesmo?
- Acho que não tem problema.
- Quero...

E encheu a boca. O líquido amarelo e espumante que sempre o deixara curioso. Há tempos queria sentir o sabor, o cheiro e acima de tudo, entender.

Queria desvendar os mistérios por trás daquela bebida. E por que as pessoas ficavam mais felizes quando se reuniam para tomá-la?

"Eu disse só um gole!", escutou seu avô enquanto puxava de suas mãos a lata suada de cerveja. Deixou, porém, que bebesse um pouco mais do que devia. E a cara feia que expressou ao engolir fez o velho gargalhar, como se lembrasse da primeira vez que bebera.

"Você se acostuma", disse o velho ao menino. Reconhecia aquela cara amarga, pois de "amargo" entendia.

"Não conte nada a seu pai", a voz experiente soou como uma ordem. Tinha certeza de que o pai não aprovaria tal atitude. Mesmo sabendo que fizera igual quando jovem.

E o menino consentiu com a cabeça. E selou seu primeiro acordo. Sentiu-se grande.

Sabia que, no fundo, o gosto da Tubaína era mais agradável, mas a vontade de se tornar homem fez esconder a cara feia, deixando a cevada cair na garganta. Era a sede por crescer, que saciou levemente naquele gole de cerveja.

E o velho sentiu-se um pouco mais cansado, um pouco mais vivido, pois aquele que pegara no colo, agora dividia um gole de sua companheira de dias de sol. E nem as rugas o faziam sentir-se daquele jeito. Mas sorriu. Ficou grato por poder ver aquele momento.

O menino por sua vez, limpou o bigode de espuma passando a língua nos lábios. E pediu mais um gole.

"Não se apresse...", disse o avô. Pois o amargo vem com o tempo. E um dia ele vem sem que você queira. "Vá brincar meu menino", pensou consigo. "Vá correr e cair. Vá saborear o doce, pois o doce um dia entoja. Vá meu menino, descobrir os prazeres de um jogo de bola na rua, da areia por entre os dedos do pé e do sangue de um arranhão. Vá meu menino, pois lembranças são só cicatrizes que não aparecem. Vá meu menino, vá viver, antes que não te reste mais nada além de cansaço e solidão."

E o menino correu. E correu sem direção. E correu porque podia. Em círculos. Até cansar.

E mal suspeitou que aquele seria o primeiro gosto amargo de muitos que iria sentir quando crescesse.

O primeiro amor perdido. O emprego sem futuro. Os medos. As incertezas.

Mas como dissera seu avô, naquele singelo dia de sol:

"Você se acostuma".

O curioso é que mesmo hoje, já crescido, o Guaraná ainda lhe atrai mais que a cevada.

--------------------------------------------------------------------------------------

E mais um vez, obrigado a Super Ana Enes.
Que gentilmente conserta minhas burrices sem cobrar nada!
Pera ai... Consertar? Ou Concertar? O_o

=)

quinta-feira, 1 de março de 2007

Delíquio

- Quanto são as flores?
- R$ 49,00.
Como sempre, senhor.
- Por que não me chama pelo nome? Você já me conhece há bastante tempo.
- Desculpe Paulo, é costume. E como vocês estão?
- Eu sinto que ela vai voltar pra mim...

E esboçou um sorriso triste. Seus lábios fizeram grande esforço ao abrir em forma de arco. Segurou as rosas com firmeza, como se aquele fosse o dia em que tudo iria se resolver.

A moça vendedora o assistiu sair pela porta, com os mesmos passos cansados de um ano atrás, quando ela o viu entrar pela primeira vez na loja. Pálido. Cansado.

Desde aquele dia era assim.

Toda sexta-feira Paulo aparecia, comprava doze rosas vermelhas e saía. Sempre com um resquício de esperança nos olhos marejados. E aquilo que antes era apenas curioso para a moça, começou a ferir seu coração. Mesmo os cortes eventuais dos espinhos das flores não doíam daquele jeito.

Era a frase. A frase que já saía da boca de Paulo de maneira automática: "Eu sinto que ela vai voltar pra mim...". Aquilo a fazia morrer de pena do pobre coitado. Queria levá-lo para casa e cuidar de sua fome de amor. Como quando se pega um cachorro vira-lata na rua.

O fato é que a moça sabia seu nome, o via toda semana por pouco mais de um ano. Mas ainda sim se perguntava: “Quem é aquele homem? E que mulher é tão merecedora daquelas flores?”

Sabia que não era para ninguém morto, pois já espreitara no cemitério, mudando o curso do caminho para casa, após o expediente a procura das rosas. Nunca as encontrou. Como também não encontrou aliança no dedo, nem ao menos uma foto carregada no bolso.

Certa vez quis perguntar, pensou que já tivesse intimidade o bastante.

- Quem é essa mulher que vale à pena tanto esforço? – perguntou com um pouco de receio.

E a moça recebeu os R$ 49,00 das flores, silêncio e nada mais.

Não voltou a perguntar após aquele dia. Percebeu que Paulo ficava mais feliz ao ser deixado em paz, e respeitava. Afinal, era um ótimo cliente acima de tudo.

Para a moça vendedora aquele era Paulo. Alguém que entrava e saía calado. Transbordando esperança. Sempre com uma gota de força sobrando.

Simplesmente o homem que comprava rosas de sexta à noite.

Mal sabia ela que, não muito longe dali, estava Paulo. Com calma, ele coloca as flores em um vaso transparente em cima de uma pequena mesinha. No fundo do vaso, um anel dourado brilha na água. Paulo senta-se na beirada da cama e começa a falar com voz baixinha:

- Eu ainda amo você, e você sabe... Por que você não volta pra mim? Por que tudo isso está acontecendo? - por baixo dos lençóis está a silhueta de uma mulher que dorme. Paulo completa:

- Eu estou aqui, esperando você. – disse no pé do ouvido. - Amanhã você vai acordar, nós vamos conversar e tudo vai estar bem. – sorriu - Eu tenho tanta coisa pra falar. - e suspirou.

Foi quando alguém bateu na porta e entrou. Paulo já sabia de trás para frente o que ia escutar.

- Acabou o horário de visita senhor Paulo. – disse a enfermeira.

Paulo levantou-se e foi embora. Com os mesmos passos cansados. Mas, a esperança ainda ali, escorrendo em gotas.

E, na sexta seguinte, a moça da loja de flores vendeu mais doze rosas para Paulo. Ele entrou como sempre, mesmos passos e a mesma esperança. Repetiu a mesma frase calejada e saiu.

Depois daquele dia Paulo nunca mais apareceu...


------------------------------------------------------------------------------------------------



Obrigado a Super Ana Enes, por me ajudar a corrigir os erros gramaticais e ainda dizer que o texto está bom, só pra me animar. =)

Obrigado Super!



O 9º Sentido.

Foi simples assim. Como abrir os olhos de manha após uma noite bem dormida. Quando o sono já não domina mais seu corpo e você simplesmente, acorda.

Em uma fração de segundos a consciência percorre sua mente, e ela por sua vez leva cada parte de cada músculo mostrar vida.

Foi assim que eu despertei um dia. Num estalo. A diferença é que estava de olhos abertos.

Porém a sensação da consciência foi a mesma que acordar de um sono.

E percebi que talvez não precisasse me preocupar como me preocupava. E que não é ruim mudar quando necessário. E que lutar pelo que eu amo não é sofrer.

Gosto de viver do meu jeito e vivo.
Faço drama do meu jeito e gosto.
E a comédia do meu drama me faz rir.
E rir me faz viver.
Vivo do meu jeito e gosto!

Esse será um espaço sem absolutamente nenhuma pretensão. Apenas uma coisa que sempre tive vontade de fazer e acabei não resistindo. Foi ao acordar estando acordado que percebi que faria um pouco mais do que tenho vontade. Afinal ninguém nessa vida fará por mim senão eu mesmo.

Simples. Sem complicações nem preocupações.

Pois nasceu um novo sentido em mim, que só numerei na tentativa de ser mais organizado. O 9º sentido é na verdade o que você quiser que ela seja.

Ele muda, evolui, enfraquece e da força.

É bom estar de volta...